“Cinco pecados sociais: política sem princípios, riqueza sem trabalho, conhecimento sem caráter, comércio sem moralidade e ciência sem humanidade”. Mahatma Gandhi.

A campanha contra os cloros estabilizados parece que continua; pode ser ouvida em consultas telefônicas, vista em diversos sites e, pelos detalhes da (des)informação, facilmente se depreende que procedem de uma única fonte: a mesma que desde os anos 70 do século passado tenta inutilmente impedir o crescimento do mercado de cloros estabilizados, exatamente nos pontos onde ele é mais útil: no tratamento de águas de piscinas e consumo humano.

Infelizmente, alguns usuários incautos e muitos comerciantes e pseudotécnicos mal-intencionados propagam a ideia, sem contudo mencionar as bases científicas ou protocolos que tornam o uso dos produtos isocianúricos (cloros estabilizados) contraindicados para desinfecção de águas.

Veja como agem os mal-intencionados: criam um mito que não existe. Eles dizem: “Você acha que o cloro estabilizado vai deixar sua piscina equilibrada? Isso é um mito!”

Em primeiro lugar, esse mito nunca existiu; segundo, o que seria água equilibrada? Água com cloro no nível ideal? Com pH de equilíbrio dentro dos parâmetros? Em resumo, são palavras soltas sem relação com estabilização de cloro ou desinfecção da água.

Em seguida, destroem o mito criado para mostrar seu verdadeiro interesse, ou seja, tentar convencer que o produto que fabricam é melhor que o cloro estabilizado:

E ainda acrescentam: “Aplicar o cloro estabilizado não significa que a água da sua piscina ficará equilibrada. Pelo contrário, ele age bloqueando parte da ação do cloro, ou seja, essa parte não purifica a água. O uso contínuo desse produto pode causar um problema muito grave: a superestabilização da água. O hipoclorito de cálcio é mais eficiente no tratamento da água, pois age disponibilizando todo o seu cloro ativo na purificação.”

Então, contando com o desconhecimento técnico de consumidores, comerciantes e tratadores de piscinas, e sem mencionar qualquer estudo científico para atestar suas afirmações, está criado o mito, que se propaga boca a boca, pela internet, redes sociais e até em lojas de piscinas: superestabilização, resultado do acúmulo de ácido cianúrico na água da piscina pelo uso continuado do cloro estabilizado. Gandhi tinha razão!

MAS ESTABILIZAÇÃO DO CLORO EXISTE?

Sim, estabilização do cloro existe, comprovada por estudos científicos, testes de laboratório, testes de campo e mais de meio século de aplicação em piscinas por todo o mundo e muitos milhões de clientes satisfeitos por mais de cinco décadas.

Nos anos 1950 e1960, foi descoberto que a adição de pequena quantidade de ácido (iso)cianúrico em águas de piscinas podia reduzir de 50 a 75% a perda de cloro residual frente à radiação solar. Então, o ácido isocianúrico passou a ser largamente aplicado em piscinas tratadas com cloro, e o processo foi denominado estabilização. O ácido isocianúrico passou a ser conhecido como “estabilizante”. Com residuais de 25 ppm de ácido isocianúrico na água, ela fica estabilizada contra os raios solares (que aceleram a decomposição do cloro). Veja o gráfico abaixo:



Em seguida, foram desenvolvidos novos produtos químicos pela reação de cloro com ácido isocianúrico (produtos químicos novos e não misturas de cloro com ácido cianúrico), chamados clorocianúricos, ou isocianúricos clorados, os quais – quando adicionados à água – geram o mesmo ácido hipocloroso (o ingrediente ativo do cloro) e também o ácido isocianúrico (estabilizante) e, voilá! Temos o melhor dos mundos: cloro e estabilizante, juntos, num só produto químico.

Então, os novos cloros, modernos, inteligentes, econômicos (que consomem de 50 a 75% menos cloro para manter desinfetadas as piscinas expostas ao sol) passaram a ser chamados de cloros estabilizados, enquanto que os demais tiveram – a título de diferenciação – que assumir o nome de cloros não estabilizados.

Uma pergunta: se você fosse um fabricante ou vendedor de cloro não estabilizado (hipoclorito de cálcio/ cloro líquido), como se sentiria? – Ameaçado, como um motorista de táxi de São Paulo ou Rio de Janeiro diante do aplicativo Uber.

Então, entenda que essa reação não é química, é própria da natureza humana (quando faltam princípios, trabalho, caráter, moralidade e humanidade), e não resultado de estudos científicos ou restrições regulamentares.

ENTÃO, SUPERESTABILIZAÇÃO NÃO EXISTE?

Não. Em testes de campo realizados com residuais de 200, 300 ppm de ácido isocianúrico presente na água, não foi constatada nenhuma adversidade à sua qualidade, redução de eficiência da desinfecção e, sobretudo, à segurança toxicológica dos usuários (os clorocianúricos são aprovados para desinfecção de água para consumo humano – ou seja, água para beber). Superestabilização foi um termo cunhado já na década de 70 do século passado por fabricantes de cloro mal-intencionados, para frear o crescimento dos cloros estabilizados. Como já dissemos, ainda hoje o termo é explorado com esse fim e para promover a venda de um cloro não estabilizado (hipoclorito de cálcio).

Porém, os propagadores dessa substituição (de cloro estabilizado por hipoclorito de cálcio) não previnem os incautos com a informação que o uso continuado de seu produto contendo cálcio (e outros sais) também vai acumular na água alta concentração de cálcio e outros sais e promover sua saturação. A saturação ocorre quando a água atinge um limite a partir do qual não consegue mais dissolver sais, especialmente os de cálcio, mesmo quando esses sais são solúveis. Quando isso ocorre, a água torna-se turva e leitosa, depósitos de cálcio se formam nas paredes, pisos, equipamentos e tubulações, a desinfecção fica ineficiente, aquecedores sofrem do isolamento e se tornam ineficazes.



PODERÍAMOS CHAMAR O FENÔMENO DE SUPERCALCIFICAÇÃO?

Sejamos honestos: todo e qualquer produto liberador de cloro vai deixar na água subprodutos da cloração, uns mais, outros menos, mas todos, inclusive o cloro gás, os deixarão. Alguns cloros aumentam o pH, que precisa ser reajustado com ácido; outros, abaixam o pH, que precisa ser reajustado com base. Toda e qualquer adição de produto químico à água, excetuando aqueles que se evaporarem dela, promove acúmulo de sólidos dissolvidos, de forma que o teor de sólidos totais dissolvidos aumenta gradativamente (é essa quantidade de sólidos que sobra de uma água depois de totalmente evaporada). Se a água da piscina não for renovada – por chuvas, reposição das perdas por retrolavagem do filtro e transbordamento causado pela entrada de banhistas, etc. - o total de sólidos dissolvidos não se dilui, só aumenta, até o ponto de deixar a água saturada. Esse fenômeno pode ocorrer em qualquer piscina, utilizando qualquer produto clorado, mais rapidamente em águas aquecidas, mas se o residual de estabilizante for alto e você consultar os “técnicos” propagadores da desinformação que falamos neste artigo, certamente vai receber o diagnóstico de SUPERESTABILIZAÇÃO e a recomendação de substituir parte da água da piscina. Gandhi estava certo!

Mas, perguntará o leitor: “eu segui a recomendação deles e deu certo; o residual de ácido cianúrico baixou; a água voltou a ficar bonita e responder ao tratamento!”.

Nossa resposta: pelo resultado obtido, claro que a correção está certa. O diagnóstico é que está errado. Essa substituição de parte da água da piscina diluiu os sólidos dissolvidos, e ela voltou ao seu normal. Se essa diluição tivesse sido feita ao fim de cada semana, ou mês, conforme a piscina, o problema nunca teria ocorrido. Já o teor de ácido cianúrico, o único parâmetro analisado, diminuiu junto a todos os demais sais dissolvidos em função dessa diluição. O problema era causado pelo total de sais dissolvidos, do qual o ácido cianúrico é apenas parte.

Por Alcides Lisboa
Diretor Técnico da Genco Química Industrial LTDA.
CRQ IV nº 04405984